Campeões do Brasileirão!

Venho acompanhando, um tanto abismado, os contumazes encômios acerca dos famigerados títulos nacionais conquistados pelo “glorioso” Santos Futebol Clube (entre outros times) na década de sessenta do século passado. Fico estarrecido diante da constatação do nível que pode atingir esta verdadeira idiossincrasia representada pelo interesse extremado do brasileiro em relação ao “nobre esporte bretão”. Faço questão de deixar bem claro: não me excluo desse universo de “futebolistas psicóticos e bem-intencionados”. Contudo, até idiossincrasias têm limites. Venhamos e convenhamos, atribuir a competições realizadas há mais de meio século com times que não representavam o futebol brasileiro como um todo – já que apenas alguns estados tinham “direito” de participar – a mesma relevância do atual Campeonato Brasileiro é, no mínimo, um total desapreço à lógica, à racionalidade; efetivamente constitui um acinte aos clubes que, desde 1971 (data em que foi criado o Brasileirão nos moldes em que o conhecemos atualmente), disputam o mais difícil e acirrado campeonato nacional do planeta; competição que conta com os melhores jogadores, os melhores técnicos e times provenientes de todos os estados da federação; competição que forja e exporta talentos, movimentando, portanto, milhões de dólares em transações e transferências de jogadores, sobretudo, para o mercado europeu. Comparar o atual Campeonato Brasileiro – com toda sua estrutura e organização (questionáveis ou não) – a torneios realizados no século XX, representa um brutal disparate; um verdadeiro desafio ao exercício salutar do pensamento lógico. Significa, em outras palavras, menosprezar toda mobilização competitiva envidada pelas agremiações que disputam o campeonato desde sua implantação; equipes que entram na competição motivadas pela possibilidade de colocar seus respectivos estados em evidência com a conquista do título; que se organizam, na grande maioria dos casos, com enormes sacrifícios (econômicos, financeiros, logísticos e humanos) visando o ascenso à chamada divisão de elite; que competem pressionadas psicológica e emocionalmente pela possibilidade de se encontrarem, no final da temporada, expostas ao vexatório contexto do rebaixamento. A Taça Brasil (posteriormente Robertão) não mantinha regulamentos claros; ninguém sabia ao certo como as equipes ascendiam; quando um time era rebaixado o retorno sempre ficava envolto num absoluto mistério; os questionamentos, as incógnitas eram freqüentes, mas acabavam entrando para o imaginário folclórico dos torcedores e da crônica esportiva (caixas de sapato, árbitros a ordenarem cobranças de pênaltis várias vezes consecutivas, até que o gol ocorresse, etc.). Os dirigentes eram outros, a mentalidade organizacional era outra, a instituição que dirigia o futebol também era outra: CBD - Confederação Brasileira de Desportos, fundada em 20 de agosto de 1919, era a entidade responsável pela organização de todo esporte no país. Ou seja, o futebol não era auto-suficiente; era atrelado a interesses diversos, inclusive políticos (durante muito tempo fora empregado como estratagema de manipulação de massas pela ditadura militar). Na verdade, mesmo aqueles que propugnam a equiparação dos títulos, deixam por vezes escapar nas entrelinhas de suas apologias idéias que consolidam todos os argumentos aqui expressados: “o Robertão (1967-70) é o pai do Brasileirão – um campeonato de fato, quase sempre com regulamentos discutíveis, clubes igualmente convidados”, segmento de texto do jornalista Mauro Beting, publicado em seu blog hospedado pelo site LANCE.NET. É como comparar Pelé com Maradona; Garrincha com Rivelino: são comparações iníquas, sustentadas por argumentos altamente sofísticos. Evidentemente, vale ressaltar, isso não significa que as conquistas de Bahia, Palmeiras, Santos, Cruzeiro, Botafogo e Fluminense devam ser, simplesmente, desconsideradas. Muito pelo contrário; são legítimos campeões... Mas campeões da Taça Brasil, Taça de Prata (talvez a maior das “incógnitas” daquela época) e do torneio Robertão. Se resolvêssemos consolidar e adotar a linha de raciocínio proposta, times como o Corinthians, por exemplo, poderiam reivindicar os títulos referentes aos torneios Rio-São Paulo (1950, 1953, 1954, 1966 e 2002) e, ainda, as duas conquistas relativas à Copa do Brasil (1995 e 2002): a Copa do Brasil por ser uma competição nacional; o torneio Rio-São Paulo por ter se mantido, durante muito tempo, com status de campeonato brasileiro (na verdade, a competição deve ser considerada o início do torneio Roberto Gomes Pedrosa). Portanto, o Timão deveria ser reconhecido, segundo essa ótica, como hendecacampeão, ou seja, onze vezes campeão brasileiro. Como podemos observar, tratam-se de argumentos, no mínimo, ambíguos e, efetivamente, bastante questionáveis. Bobagens, sandices. Campeões brasileiros, são apenas aqueles que passaram a disputar o Brasileirão a partir de 1971 (Corinthians, Flamengo, São Paulo, Internacional, Grêmio, Atlético Mineiro, etc.). O resto é falácia e paixão exacerbada; tentativas de atribuir grandezas indevidas, distorcendo fatos esportivos historicamente registrados e documentados.

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